A atuação da MARIPÁ na ocupação e na colonização do Oeste do Paraná
Atualizado: 23 de set. de 2022
Por Prof. Dr. Claércio Ivan Schneider (Unioeste)[1]
[1] Fragmentos retirados da obra: SCHNEIDER, Claércio Ivan. Os senhores da terra: produção de consensos na fronteira oeste do Paraná (1946-1960). Aos Quatro Ventos; Curitiba 2002.
Com sede administrativa em Porto Alegre, a MARIPÁ organizou uma filial de sua empresa no Oeste do Paraná, preocupada principalmente com a extração, a exportação e a industrialização de madeiras e com a comercialização de terras. A área que passou a ser colonizada pela MARIPÁ no Oeste paranaense foi adquirida em 1946, através da compra da "Fazenda Britânia", pertencente até então à Companhia de Maderas del Alto Paraná, empresa de capital inglês com sede em Buenos Aires[1]. A MARIPÁ estruturou-se pela associação de vários acionistas, a maioria deles proveniente do Rio Grande do Sul e com larga experiência no ramo comercial.
Entre estes, destaca-se o nome de Willy Barth[2], um dos principais dirigentes desta companhia. Descendente de alemães protestantes, exerceu atividades ligadas ao comércio e à colonização em áreas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina (na cidade de São Miguel do Oeste, por exemplo). Outros personagens centrais desta companhia, como os irmãos Dalcanale, também eram hábeis negociantes à procura de novas terras para comercialização ou colonização. Somam-se a estes nomes, Alfredo Ruaro, comerciante de Farroupilha - RS; Curt Bercht e seu irmão Egon Werner Bercht, empresários de renome nacional, líderes de diversas empresas; e também Wilson Carlos Kuhn, advogado da colonizadora. O perfil dos personagens acima mencionados revela uma ampla experiência comercial adquirida ainda no Rio Grande do Sul. Essa experiência prévia foi decisiva no contexto do povoamento da antiga "Fazenda Britânia", tanto nas questões de ordem cultural quanto nas de ordem político-econômicas que envolveram a colonização. Isto pode ser observado, por exemplo, quando do estudo dos procedimentos de atuação da MARIPÁ no Oeste paranaense, principalmente no que se refere ao contingente populacional selecionado para a tarefa de colonizar; bem como na estrutura fundiária aplicada a este espaço.
Além disso, cabe informar que alguns destes empresários participaram de outros projetos de colonização vinculados a diversas empresas colonizadoras. Destaca-se, a título de exemplo, a Colonizadora Pinho e Terras sob controle acionário de Alfredo Paschoal Ruaro, primeiro dirigente da Maripá no Oeste do Paraná. Além deste, outro dirigente da MARIPÁ, e um dos principais da Pinho e Terras, Alberto Dalcanalle, foi presidente de uma outra companhia, a Braviaco (Cia. Brasileira de Aviação e Comércio), que esteve envolvida na disputa pelas terras da Gleba Missões. Portanto, uma questão importante, a ser considerada neste momento era o envolvimento destas empresas com problemas de titulação de terras, que acarretaram uma série de conflitos no Sudoeste do Estado, muitos deles pendentes até hoje.
De forma geral, esta ampla experiência, acima delineada, norteará a estruturação interna da MARIPÁ, seu organograma constituído por Diretores, Acionistas, Conselheiros e um Conselho Fiscal. Ademais, a elaboração de estatutos revela que esta empresa atuou de forma previamente planejada, direcionada racionalmente à concretização de seus objetivos. Tais estatutos esmiuçavam todas as atribuições dos diversos setores desta empresa, desde a Administração até o Conselho Fiscal. Quanto aos objetivos da empresa, destaca-se o artigo 2° do referido Estatuto:
A sociedade tem os seguintes objetivos: a) aquisição por compra, e exploração das terras, campos e matos da "Fazenda Britânia" com os respectivos prédios, instalações e benfeitorias, situada no Território do Iguassú, pertencente a Companhia de Maderas Del Alto Paraná, com séde35 em Buenos Aires na República Argentina; b) extração, produção, industrialização, beneficiamento, e comércio em geral de madeiras e derivados inclusive a sua exportação para os mercados estrangeiros; c) produção, industrialização e exportação de herva mate; d) compra e venda de terras e colonização em geral; e) replantio em geral; f) agricultura e pecuária em geral; g) comércio em geral; h) a participação em qualquer ramo de indústria e comércio, a qual será resolvida a critério da diretoria e do Conselho Fiscal com a aprovação da Assembléia Geral[3].
A partir da leitura destes objetivos da MARIPÁ, depreende-se que esta pretendia atuar em diferentes ramos de atividades, e que abrangiam desde o beneficiamento de madeiras e exportação de erva-mate até o comércio e trabalhos de colonização, agricultura e pecuária. Objetivos amplos, portanto. Contudo, para desenvolver a empresa segundo estes pretensiosos moldes, impunha-se a necessidade de constituição de um espaço centrado na legitimidade burocrática/empresarial de tal empreendimento. A elaboração e a execução de um conjunto de ideias e de práticas administrativas reflete bem esta preocupação dos dirigentes em gerir política e economicamente o território em processo de ocupação sistemática. Um aspecto de grande importância para compreender a preponderância da MARIPÁ no campo da colonização, refere-se ao momento de sua chegada à fronteira agrícola. Ou seja, a aquisição das terras ao Oeste do Paraná foi efetuada ainda quando estas estavam sob propriedade de um único agente (Companhia de Maderas del Alto Paraná). Dessa forma, a companhia tornou-se plena proprietária de sua área, conseguindo eliminar as disputas legais e os conflitos sociais, muito frequentes na região Sudoeste do Paraná. Esse aspecto quase não aparece na documentação da empresa, salvo nos casos em que os dirigentes buscavam informar possíveis compradores da existência de uma área colonizável diferente do restante do país, onde as estruturas agrárias seriam sempre sinônimas de alto grau de concentração fundiária e de inesgotáveis controvérsias sobre a posse e propriedade da terra. No dizer de Ondy H. Niederauer - contador da MARIPÁ -, a Fazenda Britânia foi sempre uma verdadeira ilha de paz e tranqüilidade[4], por apresentar um título de propriedade definitivo e inconteste das terras. Importante destacar, também, que no processo de consolidação do programa de ocupação, os dirigentes da MARIPÁ estruturaram-se no campo a partir da contratação de pessoal especializado em diversos ramos.
Cita-se, como exemplo, uma passagem em que Keith Derald Müller apresenta o corpo de funcionários envolvidos no trabalho de medição das propriedades. Segundo ele, o aparente sucesso de Toledo, uma colônia jovem, pode ser atribuído, em parte, à excelente escolha da forma de ocupação e estrutura, ao bom mapeamento, e à segurança de propriedades dos títulos. Nos primeiros estágios de abertura de terras, a MARIPÁ contratou todas as fases de agrimensura, mapeamento e intitulação. Entretanto, isso se tornou insatisfatório e a MARIPÁ organizou seu próprio serviço de cartografia e concessões de títulos, contratando somente os serviços de agrimensura.
Os projetistas da MARIPÁ, empregando o método de agrimensura planimétrica, usaram pontos de referência estabelecidos astronomicamente, e limites muito superiores aos pontos indefinidos, como as pedras e árvores, que podem ser alterados, removidos ou destruídos, ou rios como é feito pelos posseiros[5]. Destaca-se, neste trecho, a formação de um quadro de especialistas no ramo de medição das propriedades. No entanto, a contratação de profissionais não se restringia somente a esta atividade, assiste-se ao recrutamento de agrônomos, contabilistas, engenheiros, entre outros profissionais, que garantiam à MARIPÁ, além de um serviço técnico de qualidade, a disseminação de saberes reconhecidos e que, portanto, legitimavam as práticas administrativas por eles desempenhadas. Desse modo, os dirigentes da MARIPÁ procuravam dar credibilidade à sua administração, buscando em profissionais autorizados o reconhecimento de seu empreendimento. Forma de legitimação pela ciência e pela técnica, isto é, pela racionalidade. Tal aspecto transparece, principalmente, nas falas que pretenderam caracterizá-lo como exemplar, tendo em vista a racionalidade e a competência com que foi implementado.
[1] Esta empresa foi fundada em 1906 em Buenos Aires, pretendendo explorar as riquezas naturais - tais como a erva-mate, a madeira, entre outros - da área adquirida junto ao governo da União. Uma série de acontecimentos acabou por limitar a atuação desta e de outras companhias que atuavam no Oeste do Paraná, entre eles pode-se citar a passagem da Coluna Prestes em 1924, a política nacionalista empreendida pelo presidente Getúlio Vargas e os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial como sendo os de maior influência para o declínio de sua atuação e a consequente necessidade de dissolução. [2] Importa tecer alguns comentários sobre a filiação partidária deste colonizador. Segundo R. J. Schmidt "já na sua juventude Barth simpatizou com os 'maragatos', facção pertencente às fileiras do Partido Liberal (PL) do Rio Grande do Sul. Na cidade de Toledo, instalou um diretório deste partido, sendo membro integrante do mesmo até 1958, quando ingressou junto ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sigla através da qual se elegeu prefeito em 14 de dezembro de 1960. Ainda como político teve papel principal na 'articulação' de situações e instituições partidárias da região, através do apoio a candidatos tanto a cargos do poder executivo (prefeitos e vereadores) quanto do poder legislativo (deputados federais)". SCHMIDT, Róbi Jair. Cenas da Constituição de um mito político. Edunioeste, Cascavel, 2001. [3] Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná. Estatutos. 1946, p. 06-07. [4] NIEDERAUER, Ondy Helio. Toledo no Paraná: a história de um latifúndio improdutivo, sua reforma agrária, sua colonização, seu progresso. Toledo: Grafo-Set, 1992, p.27. [5] MULLER, Keith Derald. "Colonização pioneira no sul do Brasil: o caso de Toledo, Paraná". In: Revista Brasileira de Geografia. Ano I (Jan/Mar). Rio de Janeiro: IBGE, 1986, p. 109. #HistóriadoParaná #HistóriaLocal #HistóriadoOestedoParaná #HistóriadeToledo #HistóriadaMARIPA #HistóriadeMarechalCândidoRondon #HistóriadaColonização