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Foto do escritorBruna Caroline

Sonhos e Utopias na Modernidade

Atualizado: 23 de jun. de 2020

Por Prof. Dr. Claudia Monteiro (Unioeste - Campus de Marechal C. Rondon)


O sonho da sociedade ideal, imaginada e desejada pela humanidade em diferentes momentos da história, nos trazem elementos para refletirmos sobre os anseios e esperanças de cada época e os seus significados.



A própria ausência de utopias em nosso tempo atual e, por outro lado, o grande número de narrativas literárias e fílmicas que narram pesadelos distópicos, podem também nos revelar muito acerca do que somos, o que esperamos e como percebemos o nosso próprio tempo. Não só o que desejamos significa algo, mas também aquilo que tememos...

A noção de paraíso artificial, ou mundo perfeito, remonta aos sonhos populares da época medieval e renascentista. Pieter Brueguel, artista holandês do século XVI, em suas pinturas narrou com maestria os elementos da cultura popular de sua época. Em um de seus quadros retratou a Terra da Cocanha, também chamado de país dos preguiçosos,. De acordo com Peter Burke, o País ou a Terra da Cocanha era “Um mundo à avessas onde as casas tinham os telhados cobertos de panquecas, nos riachos corria leite, os porcos assados corriam soltos com facas convenientemente fincadas em suas costas”.


Obra de Pieter Brueguel, "terra da Cocanha" de 1567.

A terra da Cocanha era a terra da fartura e abundância de alimento, lá não era necessário trabalhar, as pessoas podiam comer e beber à vontade e toda a preocupação humana era saciar os seus desejos e prazeres.

Podemos interpretar esse imaginário popular como uma recusa obstinada das pessoas contra a precariedade da vida daquela época, especialmente o medo da fome e da morte.

Foi Thomas More, pensador humanista, quem criou a partir do grego, a palavra utopia, um neologismo que significa “lugar nenhum”. No entanto, More ao utilizar a terminologia grega, flertou com o seu duplo sentido, a letra U da palavra Utopia, pode significar ‘nenhum’, mas também ‘bom’.

Ilustração da primeira edição de "Utopia" de Thomas More de 1516

Esse dualismo está presente nos versos da edição inglesa da obra A Utopia: “Portanto, não Utopia, porém, mais corretamente, meu nome é Eutopia, lugar de felicidade”.

A palavra ganha longevidade na modernidade, definindo aquilo que se imagina como perfeito, ideal, porém, imaginário, difícil de ser alcançado: Um “bom lugar” em um “lugar nenhum”. Enfim, resume a ideia de sociedade ideal, organizada em um Estado com instituições também ideais.

O livro de Thomas More é uma ficção que narra a vida na ilha Utopia. Lá não há desigualdade social nem propriedade privada, e reinam a justiça e a prosperidade.


A Utopia também é um lugar de fartura de alimentos e gozo dos prazeres da vida, no entanto, não se parece em nada com o País da Cocanha da cultura popular: na Utopia todos trabalham e obedecem regras rigidamente colocadas. Tão grande é a distância entre a utopia moderna de More em relação à precedente medieval que, enquanto a Cocanha era a “terra dos preguiçosos”, na Utopia há uma verdadeira obsessão no controle do trabalho e do tempo.

Freud percebeu esse paradoxo da civilização: por meio do processo civilizador buscamos combater aquilo que nos causa infelizes, no entanto, quanto mais aumenta a civilização mais infelizes nos tornamos.

Na bancada de negócios da modernidade, não há almoço grátis: para obter a reconfortante segurança garantida pela Estado e seus aparatos de violência, é preciso perder outra coisa. Pela segurança sacrificamos nossa liberdade e com ela uma grande quantidade de satisfações que nossos instintos nos levariam a buscar se não houvessem proibições. Por outro lado, sem a coação exercida a partir de cima não estaríamos nós condenados uma vida bestial?

O lugar de felicidade, a “Eutopia”, do equilíbrio perfeito entre a segurança e a liberdade é um objetivo inalcançável. Mesmo em uma narrativa ficcional, como a de More sobre sua Ilha Utopia, há escolhas, e sua escolha foi pela segurança, em nome disso, criou uma sociedade racional e controlada pelo Estado, seu horizonte de expectativa anuncia a novidade da modernidade, onde, pelo desejo de segurança e ordem o homem sacrifica sua liberdade e, por tabela, sua felicidade.


Referências Bibliográficas:

BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização e outros textos (1930-1936). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

MORE, Thomas. A Utopia. São Paulo: Abril Cultural, 1979 (Os Pensadores).

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