Sonhos e Utopias na Modernidade
Atualizado: 23 de jun. de 2020
Por Prof. Dr. Claudia Monteiro (Unioeste - Campus de Marechal C. Rondon)
O sonho da sociedade ideal, imaginada e desejada pela humanidade em diferentes momentos da história, nos trazem elementos para refletirmos sobre os anseios e esperanças de cada época e os seus significados.
A própria ausência de utopias em nosso tempo atual e, por outro lado, o grande número de narrativas literárias e fílmicas que narram pesadelos distópicos, podem também nos revelar muito acerca do que somos, o que esperamos e como percebemos o nosso próprio tempo. Não só o que desejamos significa algo, mas também aquilo que tememos...
A noção de paraíso artificial, ou mundo perfeito, remonta aos sonhos populares da época medieval e renascentista. Pieter Brueguel, artista holandês do século XVI, em suas pinturas narrou com maestria os elementos da cultura popular de sua época. Em um de seus quadros retratou a Terra da Cocanha, também chamado de país dos preguiçosos,. De acordo com Peter Burke, o País ou a Terra da Cocanha era “Um mundo à avessas onde as casas tinham os telhados cobertos de panquecas, nos riachos corria leite, os porcos assados corriam soltos com facas convenientemente fincadas em suas costas”.
A terra da Cocanha era a terra da fartura e abundância de alimento, lá não era necessário trabalhar, as pessoas podiam comer e beber à vontade e toda a preocupação humana era saciar os seus desejos e prazeres.
Podemos interpretar esse imaginário popular como uma recusa obstinada das pessoas contra a precariedade da vida daquela época, especialmente o medo da fome e da morte.
Foi Thomas More, pensador humanista, quem criou a partir do grego, a palavra utopia, um neologismo que significa “lugar nenhum”. No entanto, More ao utilizar a terminologia grega, flertou com o seu duplo sentido, a letra U da palavra Utopia, pode significar ‘nenhum’, mas também ‘bom’.
Esse dualismo está presente nos versos da edição inglesa da obra A Utopia: “Portanto, não Utopia, porém, mais corretamente, meu nome é Eutopia, lugar de felicidade”.
A palavra ganha longevidade na modernidade, definindo aquilo que se imagina como perfeito, ideal, porém, imaginário, difícil de ser alcançado: Um “bom lugar” em um “lugar nenhum”. Enfim, resume a ideia de sociedade ideal, organizada em um Estado com instituições também ideais.
O livro de Thomas More é uma ficção que narra a vida na ilha Utopia. Lá não há desigualdade social nem propriedade privada, e reinam a justiça e a prosperidade.
A Utopia também é um lugar de fartura de alimentos e gozo dos prazeres da vida, no entanto, não se parece em nada com o País da Cocanha da cultura popular: na Utopia todos trabalham e obedecem regras rigidamente colocadas. Tão grande é a distância entre a utopia moderna de More em relação à precedente medieval que, enquanto a Cocanha era a “terra dos preguiçosos”, na Utopia há uma verdadeira obsessão no controle do trabalho e do tempo.
Freud percebeu esse paradoxo da civilização: por meio do processo civilizador buscamos combater aquilo que nos causa infelizes, no entanto, quanto mais aumenta a civilização mais infelizes nos tornamos.
Na bancada de negócios da modernidade, não há almoço grátis: para obter a reconfortante segurança garantida pela Estado e seus aparatos de violência, é preciso perder outra coisa. Pela segurança sacrificamos nossa liberdade e com ela uma grande quantidade de satisfações que nossos instintos nos levariam a buscar se não houvessem proibições. Por outro lado, sem a coação exercida a partir de cima não estaríamos nós condenados uma vida bestial?
O lugar de felicidade, a “Eutopia”, do equilíbrio perfeito entre a segurança e a liberdade é um objetivo inalcançável. Mesmo em uma narrativa ficcional, como a de More sobre sua Ilha Utopia, há escolhas, e sua escolha foi pela segurança, em nome disso, criou uma sociedade racional e controlada pelo Estado, seu horizonte de expectativa anuncia a novidade da modernidade, onde, pelo desejo de segurança e ordem o homem sacrifica sua liberdade e, por tabela, sua felicidade.
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Referências Bibliográficas:
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização e outros textos (1930-1936). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
MORE, Thomas. A Utopia. São Paulo: Abril Cultural, 1979 (Os Pensadores).
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